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Mostrando postagens de 2012

Devia morrer-se de outra maneira( José Gomes Ferreira)

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  Devia morrer-se de outra maneira. Transformarmo-nos em fumo, por exemplo. Ou em nuvens. Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio". E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir a despedida. Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio. "Adeus! Adeus!" E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... ) a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen... como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono ainda tocada por um vento de lábios azuis...

Apenas uma carta (Larissa Rocha)

Bahia, 27 de dezembro de 2012.         Obrigada por todo o tempo da tua vida que tens dedicado a mim e por todo o tempo que já sonhaste em dedicar. As lembranças continuam na minha mente pois quando estamos juntos eu desejo com cada pedaço do meu coração cuidar e precisar de ti, nunca te abandonar.    O tempo, meu amor, o tempo passa tão assustadoramente rápido, principalmente pelo futuro incerto que temos pela frente entretanto, tenho uma inocente esperança de que um dia caminharei em tua direção e nós nos abraçaremos e ficaremos assim por longos minutos, nos quais direi o quanto tu significas para mim enquanto tuas mãos gentis e leves passearão pelo contorno da minha cintura... Daria tudo para que esse momento fosse agora!     Não há nada que eu queria mais do que essa chance, uma única de te fazer feliz e amado. Juro que não te arrependerás, deixa-me ver esse sorriso lindo todos os dias e principalmente ser a causa dele.   Gostaria que estivesses aqui.   Com amor

A meu favor (Alexandre O'Neill)

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    A meu favor Tenho o verde secreto dos teus olhos Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor O tapete que vai partir para o infinito Esta noite ou uma noite qualquer A meu favor As paredes que insultam devagar Certo refúgio acima do murmúrio Que da vida corrente teime em vir O barco escondido pela folhagem O jardim onde a aventura recomeça.

Versos do dia

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Amostra sem valor (António Gedeão)

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  Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém. Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível: com ele se entretém e se julga intangível. Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu, sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito, que o respirar de um só, mesmo que seja o meu, não pesa num total que tende para infinito. Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo, nesta insignificância, gratuita e desvalida, Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

Versos do dia

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As lentas nuvens fazem sono (Fernando Pessoa)

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  As lentas nuvens fazem sono, O céu azul faz bom dormir. Bóio, num íntimo abandono, À tona de me não sentir. E é suave, como um correr de água, O sentir que não sou alguém, Não sou capaz de peso ou mágoa. Minha alma é aquilo que não tem. Que bom, à margem do ribeiro Saber que é ele que vai indo... E só em sono eu vou primeiro. E só em sonho eu vou seguindo.

Versos do dia

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Autor: Álvares de Azevedo Poema: Página rota

Seio de virgem (Álvares de Azevedo)

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  O que eu sonho noite e dia, O que me dá poesia E me torna a vida bela, O que num brando roçar Faz meu peito se agitar, E o teu seio, donzela! Oh! quem pintara o cetim Desses limões de marfim, Os leves cerúleos veios Na brancura deslumbrante E o tremido de teus seios? Ouando os vejo, de paixão Sinto pruridos na mão De os apalpar e conter... Sorriste do meu desejo? Loucura! bastava um beijo Para neles se morrer!

A bela encantada (Joaquim Manuel de Macedo)

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  (...) Se a visses... tão bela!... de branco vestida, Coas negras madeixas no colo a ondear, Tão só, qual princesa de um trono abatida, Cismando ao luar... Se a visses... tão branca, da lua ao palor Uma harpa sonora então dedilhar, E à margem do lago ternuras de amor Essa harpa entornar... Se então tu a visses... tão branca e tão bela Com a harpa inclinada no seio ao revés, Vertendo harmonias, com a lua sobre ela, E o lago a seus pés... Se a visses... não vejas, incauto mortal; Ah! foge! ind'é tempo; não pares aqui; Não fiques num sítio que é sítio fatal; Se não — ai de ti!... Não vejas a bela, que em vê-la há perigo; Estila dos lábios amávio traidor; Não vejas!... se a vires... — eu sei o que digo!... - Tu morres de amor!

Versos do dia

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Poema: Por um olhar, um mundo Autor: Gustavo Adolfo Bécquer

Versos do dia

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Poema: Quase Autor: Fernando Pessoa

Eu te amo! (Larissa Rocha)

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  Ouso chamar teu nome com carinho E pronuncio baixinho Eu te amo!   A noite é testemunha silenciosa De minha confissão medrosa Eu te amo!   Sonhando em tocar teu coração Sussurro como uma oração Eu te amo!   São três palavras proibidas Que mudariam nossas vidas Eu te amo!   Sei que o mesmo não deves sentir Por favor, perdoe-me por repetir Eu te amo!   Imagino se nesse instante Respondes-me com um distante Eu te amo.     Mais poemas meus em >> http://www.astormentas.com/PT/par/poemas/Larissa%20Rocha 

Poema sobre a recusa (Maria Teresa Horta)

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  Como é possível perder-te sem nunca te ter achado nem na polpa dos meus dedos se ter formado o afago sem termos sido a cidade nem termos rasgado pedras sem descobrirmos a cor nem o interior da erva. Como é possível perder-te sem nunca te ter achado minha raiva de ternura meu ódio de conhecer-te minha alegria profunda.

To Caroline (George Gordon Byron)

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You say you love, and yet your eye No symptom of that love conveys, You say you love, yet know not why, Your cheek no sign of love betrays.   Ah! did that breast with ardour glow, With me alone it joy could know, Or feel with me the listless woe, Which racks my heart when far from thee. Whene'er we meet my blushes rise, And mantle through my purpled cheek, But yet no blush to mine replies, Nor e'en your eyes your love bespeak.   Your voice alone declares your flame, And though so sweet it breathes my name, Our passions still are not the same; Alas! you cannot love like me.   For e'en your lip seems steep'd in snow, And though so oft it meets my kiss, It burns with no responsive glow, Nor melts like mine in dewy bliss.   Ah! what are words to love like mine, Though uttered by a voice like thine, I still in murmurs must repine, And think that love can ne'er be true,   Which meets m

Versos do dia

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Poema: põe a tua mão Autor: Fernando Pessoa

Quase um poema de amor (Miguel Torga)

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  Há muito tempo já que não escrevo um poema De amor. E é o que eu sei fazer com mais delicadeza! A nossa natureza Lusitana Tem essa humana Graça Feiticeira De tornar de cristal A mais sentimental E baça Bebedeira. Mas ou seja que vou envelhecendo E ninguém me deseje apaixonado, Ou que a antiga paixão Me mantenha calado O coração Num íntimo pudor, --- Há muito tempo já que não escrevo um poema De amor

Versos do dia

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Foi para ti que criei as rosas (Eugénio de Andrade)

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Foi para ti que criei as rosas. Foi para ti que lhes dei perfume. Para ti rasguei ribeiros e dei ás romãs a cor do lume.

Mors - Amor (Antero de Quental)

Esse negro corcel, cujas passadas Escuto em sonhos, quando a sombra desce, E, passando a galope, me aparece Da noite nas fantásticas estradas, Donde vem ele? Que regiões sagradas E terríveis cruzou, que assim parece Tenebroso e sublime, e lhe estremece Não sei que horror nas crinas agitadas? Um cavaleiro de expressão potente, Formidável, mas plácido, no porte, Vestido de armadura reluzente, Cavalga a fera estranha sem temor: E o corcel negro diz: "Eu sou a morte!" Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"

Se te amo, não sei! (Gonçalves Dias)

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  Amar! se te amo, não sei. Oiço aí pronunciar Essa palavra de modo Que não sei o que é amar. Se amar é sonhar contigo, Se é pensar, velando, em ti, Se é ter-te n'alma presente Todo esquecido de mim! Se é cobiçar-te, querer-te Como uma bênção dos céus A ti somente na terra Como lá em cima a Deus; Se é dar a vida, o futuro, Para dizer que te amei: Amo; porém se te amo Como oiço dizer, — não sei.  

Noite (Fernando Namora)

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Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher vago e belo e voluptuoso num bailado erótico, com o cenário dos astros, mudos e quedos. Estrelas que as suas mãos afagam e a boca repele, deixai que os caminhos da noite, cegos e rectos como o destino, suspensos como uma nuvem, sejam os caminhos dos poetas que lhes decoraram o nome. Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher! esconde a vida no seio de uma estrela e fá-la pairar, assim mágica e irreal, para que a olhemos como uma lua sonâmbula.

Soneto XXVIII (Cláudio Manuel da Costa)

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Faz a imaginação de um bem amado, Que nele se transforme o peito amante; Daqui vem, que a minha alma delirante Se não distingue já do meu cuidado. Nesta doce loucura arrebatado Anarda cuido ver, bem que distante; Mas ao passo, que a busco, neste instante Me vejo no meu mal desenganado. Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo, E por força da idéia me converto Na bela causa de meu fogo ativo; Como nas tristes lágrimas, que verto, Ao querer contrastar seu gênio esquivo, Tão longe dela estou, e estou tão perto. Publicado no livro Obras (1768).

Por mim (Álvares de Azevedo)

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  Teus negros olhos uma vez fitando Senti que luz mais branda os acendia, Pálida de langor, eu vi, te olhando, Mulher do meu amor, meu serafim, Esse amor que em teus olhos refletia... Talvez! - era por mim? Pendeste, suspirando, a face pura, Morreu nos lábios teus um ai perdido... Tão ébrio de paixão e de ventura! Mulher de meu amor, meu serafim, Por quem era o suspiro amortecido? Suspiravas por mim?... Mas... eu sei!... ai de mim? Eu vi na dança Um olhar que em teus olhos se fitava... Ouvi outro suspiro... d'esperança! Mulher do meu amor, meu serafim, Teu olhar, teu suspiro que matava... Oh! não eram por mim.

Horas Mortas (Alberto de Oliveira)

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  Breve momento após comprido dia De incômodos, de penas, de cansaço Inda o corpo a sentir quebrado e lasso, Posso a ti me entregar, doce Poesia. Desta janela aberta, à luz tardia Do luar em cheio a clarear no espaço, Vejo-te vir, ouço-te o leve passo Na transparência azul da noite fria. Chegas. O ósculo teu me vivifica Mas é tão tarde! Rápido flutuas Tornando logo à etérea imensidade; E na mesa em que escrevo apenas fica Sobre o papel — rastro das asas tuas, Um verso, um pensamento, uma saudade.

Precisão (Clarice Lispector)

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  O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta. O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete. Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

Pronominais (Oswald de Andrade)

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  Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro

O primeiro encontro (Larissa Rocha)

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  Se meus olhos cegos de paixão Encontrarem com os teus Nesse dia... Ai meu deus! O que eles dirão? Quando eu finalmente encontrar Teus olhos verdes-claros De beleza e brilho raros Ficarei pálida como o luar. No acelerar do coração Quando as mãos se unirem E se as palavras sumirem? O que faremos então? No calor da tua tez Deslizo os dedos vacilantes Até teus lábios delirantes Suspirarem de languidez! Da palavra já esquecida Ficará claro o desejo... Dar-te-ei só um beijo, O melhor de tua vida!   Mais poemas meus em http://www.astormentas.com/PT/par/poemas/Larissa%20Rocha 

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia (Gregório de Matos)

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N este poema Gregório de Matos reconhece a efemridade da vida e admite um paradoxo: a instabilidade do mundo como única circunstância constante. Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria.    Porém se acaba o Sol, por que nascia? Se formosa a Luz é, por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia?   Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, Na formosura não se dê constância, E na alegria sinta-se tristeza.   Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstância.

Indiferença (Guilherme de Almeida)

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  Por muito tempo achei que o contrário de amor era ódio. Mas hoje entendo que vai muito além disso, o contrário do amor é indiferença!   H oje, voltas-me o rosto, se ao teu lado passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto. E assim fazemos, como se com isto, pudéssemos varrer nosso passado. Passo esquecido de te olhar, coitado! Vais, coitada, esquecida de que existo. Como se nunca me tivesses visto, como se eu sempre não te houvesse amado Mas, se às vezes, sem querer nos entrevemos, se quando passo, teu olhar me alcança se meus olhos te alcançam quando vais. Ah! Só Deus sabe! Só nós dois sabemos. Volta-nos sempre a pálida lembrança. Daqueles tempos que não voltam mais!

Há quase um ano não 'screvo (Fernando Pessoa)

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  Neste poema, Pessoa apresenta o fazer poético dissociado da meditação, ele se sente incapaz de escrever porque tem a mente pesada e seus poemas já não fluem livremente.   Há quase um ano não screvo. Pesada, a meditação Torna-me alguém que não devo Interromper na atenção. Tenho saudades de mim, De quando, de alma alheada, Eu era não ser assim, E os versos vinham de nada. Hoje penso quanto faço, Screvo sabendo o que digo... Para quem desce do espaço Este crepúsculo antigo?    

Foi então que o encontro (Larissa Rocha)

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  Foi então que o encontro Subitamente virou desentendimento Deixou na boca o gosto amargo De tristeza e desalento. E o que antes eram suspiros de deleite Hoje são soluços de saudade, Chegou ao fim nossa ilusão... Despertamos para dura realidade. “Não será sempre assim”, ele dissera. Mas com a distância entre nós Também, pudera! Tudo acabou como dissabor Só não acabou ainda Oh não, o nosso amor!   Mais poemas meus em http://www.astormentas.com/PT/par/poemas/Larissa%20Rocha

Amor é síntese (Mário Quitana)

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  Por favor, não me analise Não fique procurando cada ponto fraco meu. Se ninguém resiste a uma análise profunda, Quanto mais eu... Ciumento, exigente, inseguro, carente Todo cheio de marcas que a vida deixou Vejo em cada grito de exigência Um pedido de carência, um pedido de amor. Amor é síntese É uma integração de dados Não há que tirar nem pôr Não me corte em fatias Ninguém consegue abraçar um pedaço Me envolva todo em seus braços E eu serei o perfeito amor.

Versos do dia

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Resíduo (Carlos Drummond de Andrade)

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    (...) Pois de tudo fica um pouco. Fica um pouco de teu queixo no queixo de tua filha. De teu áspero silêncio um pouco ficou, um pouco nos muros zangados, nas folhas, mudas, que sobem.   Ficou um pouco de tudo no pires de porcelana, dragão partido, flor branca, ficou um pouco de ruga na vossa testa, retrato.   (...) E de tudo fica um pouco. Oh abre os vidros de loção e abafa o insuportável mau cheiro da memória.    

Canção do exílio (Gonçalves Dias)

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É  claro que Goncalves Dias era um romântico e sonhador, sua obra está incluída na primeira geração do romantismo, que tinha um forte carater nacionalista e acima de tudo idealista , existe inclusive um trecho do poema no hino nacional:   " Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores." Contudo, achei interessante que fosse esse o poema a ser escolhido, enfim, aqui vai o poema em consideração ao dia da independência:   Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar — sozinho, à noite — Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que

Versos do dia

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Longe de ti (Olavo Bilac)

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XXXI Longe de ti, se escuto, porventura, Teu nome, que uma boca indiferente Entre outros nomes de mulher murmura, Sobe-me o pranto aos olhos, de repente... Tal aquele, que, mísero, a tortura Sofre de amargo exílio, e tristemente A linguagem natal, maviosa e pura, Ouve falada por estranha gente... Porque teu nome é para mim o nome De uma pátria distante e idolatrada, Cuja saudade ardente me consome: E ouvi-lo é ver a eterna primavera E a eterna luz da terra abençoada, Onde, entre flores, teu amor me espera.

Tempo marcado (Rafael Rocha)

Quando a gente se achar por essas ruas do mundo O que irá rolar? Serão águas deslizando de cascatas gigantescas Ou um pequeno rio correndo para o mar? Quando meus olhos olharem dentro de teus olhos O que irão falar? Dirão talvez que teus piscares e olhares Querem me decifrar? Quando meus dedos enlaçarem os teus dedos Como irão se apertar? Esquentarão palma a palma as duas mãos Para não acenar Aquele adeus que se apresenta sempre perto Querendo ser distante. Duas mãos enlaçadas fazem um sonho irreal Tornar-se delirante. E assim a vida marca outra vida por esse caminho De corpo e de olhos e de mãos. Marcando horas e minutos esperados nesse tempo Mesmo que sejam vãos.   http://www.astormentas.com/PT/par/poemas/Rafael%20Rocha

Versos do dia

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Dialética (Vinicius de Moraes)

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    É claro que a vida é boa E a alegria, a única indizível emoção É claro que te acho linda Em ti bendigo o amor das coisas simples É claro que te amo E tenho tudo para ser feliz Mas acontece que eu sou triste...

A falta que tu fazes (Larissa Rocha)

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    Vê, meu amor que o tempo, Ele passa e te rouba de mim, Que tua ausência tem arrebentado As cordas da minha lira, Tudo em mim perece Pela falta que tu fazes. E vida já não tenho Senão a que tenho em ti. E morrer já não posso A menos que seja por ti! http://www.astormentas.com/PT/par/poemas/Larissa%20Rocha

Versos do dia

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Não me deixes! (Gonçalves Dias)

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Debruçada nas águas dum regato A flor dizia em vão À corrente, onde bela se mirava: "Ai, não me deixes, não! "Comigo fica ou leva-me contigo "Dos mares à amplidão; "Límpido ou turvo, te amarei constante; "Mas não me deixes, não!" E a corrente passava; novas águas Após as outras vão; E a flor sempre a dizer curva na fonte: "Ai, não me deixes, não!" E das águas que fogem incessantes À eterna sucessão Dizia sempre a flor, e sempre embalde: "Ai, não me deixes, não!" Por fim desfalecida e a cor murchada, Quase a lamber o chão, Buscava inda a corrente por dizer-lhe Que a não deixasse, não. A corrente impiedosa a flor enleia, Leva-a do seu torrão; A afundar-se dizia a pobrezinha: "Não me deixaste, não!"

Pálida à luz da lâmpada sombria (Álvares de Azevedo)

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  Pálida à luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar, na escuma fria Pela maré das águas embalada! Era um anjo entre nuvens d’alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia! Era mais bela! O seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando... Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti – as noites eu velei chorando, Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo! Publicado no livro Poesias de Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1853).

Versos do dia

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Desejo (Casimiro de Abreu)

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Se eu soubesse que no mundo Existia um coração, Que só por mim palpitasse De amor em terna expansão; Do peito calara as mágoas, Bem feliz eu era então! Se essa mulher fosse linda Como os anjos lindos são, Se tivesse quinze anos, Se fosse rosa em botão, Se inda brincasse inocente Descuidosa no gazão; Se tivesse a tez morena, Os olhos com expressão, Negros, negros, que matassem, Que morressem de paixão, Impondo sempre tiranos Um jugo de sedução; Se as tranças fossem escuras, Lá castanhas é que não, E que caíssem formosas Ao sopro da viração, Sobre uns ombros torneados, Em amável confusão; Se a fronte pura e serena Brilhasse dinspiração, Se o tronco fosse flexível Como a rama do chorão, Se tivesse os lábios rubros, Pé pequeno e linda mão; Se a voz fosse harmoniosa Como dharpa a vibração, Suave como a da rola Que geme na solidão, Apaixonada e sentida Como do bardo a canção; E se o peito lhe ondulasse Em suave ondulação, Ocultando em brancas vestes Na mais branda comoção Tesouros de seio

Horas de Saudade (Castro Alves)

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Tudo vem me lembrar que tu fugiste, Tudo que me rodeia de ti fala. Inda a almofada, em que pousaste a fronte O teu perfume predileto exala No piano saudoso, à tua espera, Dormem sono de morte as harmonias. E a valsa entreaberta mostra a frase A doce frase qu'inda há pouco lias. As horas passam longas, sonolentas... Desce a tarde no carro vaporoso... D'Ave-Maria o sino, que soluça, É por ti que soluça mais queixoso. E não vens te sentar perto, bem perto Nem derramas ao vento da tardinha, A caçoula de notas rutilantes Que tua alma entornava sobre a minha. E, quando uma tristeza irresistível Mais fundo cava-me um abismo n'alma, Como a harpa de Davi teu riso santo Meu acerbo sofrer já não acalma. É que tudo me lembra que fugiste. Tudo que me rodeia de ti fala... Como o cristal da essência do oriente Mesmo vazio a sândalo trescala. No ramo curvo o ninho abandonado Relembra o pipilar do passarinho. Foi-se a festa de amores e de afagos... Eras — ave do céu... minh'alma —

Versos do dia

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A solidão do poeta (Domingos Alicata)

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Sempre me comoveu a solidão dos poetas... Caminham sobre versos, cativam amores impossíveis, desafiam sonhos improváveis e, sobretudo, amam... Amam a vida, a morte, o poema sempre inacabado, a desilusão. Principalmente as desilusões de amor... Em silêncio, redefinem a tristeza, secam emotivas lágrimas, abraçam com desejo a madrugada e, com lábios cultivados no prazer, beijam a mulher amada até que, por fim, morrem de tanto amar. http://www.astormentas.com/PT/par/poemas/Domingos%20Alicata

Gozo e dor (Almeida Garret)

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Se estou contente, querida, Com esta imensa ternura De que me enche o teu amor? Não. Ai não; falta-me a vida; Sucumbe-me a alma à ventura: O excesso de gozo é dor. Dói-me alma, sim; e a tristeza Vaga, inerte e sem motivo, No coração me poisou. Absorto em tua beleza, Não sei se morro ou se vivo, Porque a vida me parou. É que não há ser bastante Para este gozar sem fim Que me inunda o coração. Tremo dele, e delirante Sinto que se exaure em mim Ou a vida ou a razão.

Versos do dia

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Beijo (Jorge de Sena)

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Um beijo em lábios é que se demora e tremem no abrir-se a dentes línguas tão penetrantes quanto línguas podem. Mais beijo é mais. É boca aberta hiante para de encher-se ao que se mova nela. É dentes se apertando delicados. É língua que na boca se agitando irá de um corpo inteiro descobrir o gosto e sobretudo o que se oculta em sombras e nos recantos em cabelos vive. É beijo tudo o que de lábios seja quanto de lábios se deseja.