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Mostrando postagens de abril, 2012

Asa branca (Luiz Gonzaga)

Quando olhei a terra ardendo Qual fogueira de São João Eu perguntei a Deus do céu, ai Por que tamanha judiação Que braseiro, que fornalha Nem um pé de plantação Por falta d'água perdi meu gado Morreu de sede meu alazão Até mesmo a asa branca Bateu asas do sertão Então eu disse adeus Rosinha Guarda contigo meu coração Quando o verde dos teus olhos Se espalhar na plantação Eu te asseguro não chores não, viu Que eu voltarei, viu meu coração Hoje longe muitas léguas Numa triste solidão Espero a chuva cair de novo Para eu voltar pro meu sertão Quando o verde dos seus olhos Se espalha na plantação Eu te asseguro não chores não, viu? Que eu voltarei, viu meu coração.

Soneto de Bocage

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Os suaves eflúvios, que respira A flor de Vênus, a melhor das flores, Exalas de teus lábios tentadores, Oh doce, oh bela, oh desejada Elmira ; A que nasceu das ondas, se te vira, A seu pesar cantara os teus louvores; Ditoso quem por ti morre de amores ! Ditoso quem por ti , meu bem, suspira ! E mil vezes ditoso o que merece Um teu furtivo olhar, um teu sorriso, Por quem da mãe formosa Amor se esquece ! O sacrílego ateu, sem lei, sem siso, Contemple-te uma vez, que então conhece Que é força haver um Deus, e um paraíso. (Bocage)

Intimidade (Antero de Quental)

Quando, sorrindo, vais passando, e toda Essa gente te mira cobiçosa, És bela - e se te não comparo à rosa, É que a rosa, bem vês, passou de moda... Anda-me às vezes a cabeca à roda, Atrás de ti também, flor caprichosa! Nem pode haver, na multidão ruidosa, Coisa mais linda, mais absurda e doida. Mas é na intimidade e no segredo, Quando tu coras e sorris a medo, Que me apraz ver-te e que te adoro, flor! E não te quero nunca tanto (ouve isto) Como quando por ti, por mim, por Cristo, Juras - mentindo - que me tens amor...

Missa dos inocentes (Mário Quitana)

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Para todos os poetas que já passaram por isso...     Se não fora abusar da paciência divina Eu mandaria rezar missa pelos meus poemas que não conseguiram ir além da terceira ou quarta linha, Vítimas dessa mortalidade infantil que, por ignorância dos pais, Dizima as mais mais inocentes criaturinhas, as pobres... Que tinham tanto azul nos olhos, Tanto que dar ao mundo! Eu mandaria rezar o requiém mais profundo Não só pelos meus Mas por todos os poemas inválidos que se arastam pelo mundo E cuja a comovedora beleza ultrapassa a dos outros Porque está, antes e depois de tudo, No seu inatingível anseio de beleza! (Mário Quitana)

Cecília Meireles

De que são feitos os dias? - De pequenos desejos, vagarosas saudades, silenciosas lembranças. Entre mágoas sombrias, momentâneos lampejos: vagas felicidades, inatuais esperanças. De loucuras, de crimes, de pecados, de glórias - do medo que encadeia todas essas mudanças. Dentro deles vivemos, dentro deles choramos, em duros desenlaces e em sinistras alianças... (Cecília Meireles)

Tomara (Vinicius de Moraes)

Tomara Que a tristeza te convença Que a saudade não compensa E que a ausência não dá paz E o verdadeiro amor de quem se ama Tece a mesma antiga trama Que não se desfaz E a coisa mais divina Que há no mundo É viver cada segundo Como nunca mais... (Vinicius de Moraes)

As sem-razões do amor (Carlos Drummond de Andrade)

Eu te amo porque te amo, Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários. Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor. (Carlos Drummond de Andrade)  

Soneto do maior amor (Vinicius de Moraes)

Maior amor nem mais estranho existe Que o meu, que não sossega a coisa amada E quando a sente alegre, fica triste E se a vê descontente, dá risada. E que só fica em paz se lhe resiste O amado coração, e que se agrada Mais da eterna aventura em que persiste Que de uma vida mal-aventurada. Louco amor meu, que quando toca, fere E quando fere vibra, mas prefere Ferir a fenecer — e vive a esmo Fiel à sua lei de cada instante Desassombrado, doido, delirante Numa paixão de tudo e de si mesmo. (Vinicius de Moraes)

Soneto do amor-de-sempre (Jehová de Carvalho)

Poeta baiano, nasceu na cidade de Santa Maria da Vitória, mudou-se para Salvador e lá sua obra foi marcada pelos aspectos modernistas. Amo-te mais que a noite em que concebes — enquanto sonho — o fruto que sonhei; Mais que meus pés os passos que eu já dei e ama o teu ventre o fruto que recebes. Mais que o semeador a sua messe; mais do que a valva a seiva pura e certa; mais que o amor vegetal a terra aberta do grão que em cada semeadura cresce. Amo-te sobre o tempo e sobre a vida, sobre o que for minh'hora indefinida de amar-te mais do que a razão me importe. Não basta a aurora e sua mensagem rubra p'ra que este amor marcado se descubra e seja mais amor dentro da morte. (Jehová de Carvalho in Um passo na noite ,1969)

Budismo Moderno (Augusto dos Anjos)

Tome, Dr., esta tesoura, e... corte Minha singularíssima pessoa. Que importa a mim que a bicharia roa Todo o meu coração, depois da morte?! Ah! Um urubu pousou na minha sorte! Também, das diatomáceas da lagoa A criptógama cápsula se esbroa Ao contato de bronca destra forte! Dissolva-se, portanto, minha vida Igualmente a uma célula caída Na aberração de um óvulo infecundo; Mas o agregado abstrato das saudades Fique batendo nas perpétuas grades Do último verso que eu fizer no mundo ! (Augusto dos Anjos)

Saudade (Pablo Neruda)

Saudade Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não foi embora, mas o amado já... Saudade é amar um passado que ainda não passou, é recusar um presente que nos machuca, é não ver o futuro que nos convida... Saudade é sentir que existe o que não existe mais... Saudade é o inferno dos que perderam, é a dor dos que ficaram para trás, é o gosto de morte na boca dos que continuam... Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade: aquela que nunca amou. E esse é o maior dos sofrimentos: não ter por quem sentir saudades, passar pela vida e não viver. O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido. (Pablo Neruda)