Morte e Vida Severina (João Cabral de Melo Neto)

        Hoje vou falar sobre mais um poeta nordestino: João Cabral de Melo Neto. Nasceu em Recife, em 1920 e fez parte da terceira geração do modernismo brasileiro, explorando diversos temas em sua obra. Porém, um dos poemas de João Cabral que mais se popularizou foi o Morte e Vida Severina, escrito entre 1944 e 1945, e que conta a história do retirante Severino, que sai do sertão em busca de uma vida melhor no Recife. Essa obra, carregada de críticas sociais, fala sobre pobreza, fome, necessidade do sertanejo de partir em busca de uma vida melhor, e ao chegar ao destino, continuar na miséria. Como o poema é muito extenso, vou postar aqui apenas o início, onde é apresentado o personagem Severino, entretanto, você pode assistir a versão animada na íntegra, feita pelo cartunista Miguel Falcão, no vídeo abaixo.

O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.


Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.


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